Entrevista de Isaias

O nosso grande Isaias deu uma extensa entrevista no Brasil onde nunca esquece o Glorioso.


«Pioneiro na Premier League e ídolo do Benfica: as histórias do anônimo Isaías

Português ou Brasileiro?
- Eu sou brasileiro, né. Eu sou nascido e criado no Brasil. Minha cidade é Linhares (Espírito Santo). Só que minha história no futebol foi construída em Portugal. Aqui no Brasil tive uma passagem no Fluminense em 83. Depois Friburguense, Cabofriense e depois Portugal em 87. Voltei em 2000 e terminei a carreia na Cabofriense em 2001. Minha história foi toda na Europa, nomeadamente em Portugal.

Formação no Fluminense
- Cheguei no Fluminense e me disseram que eu ia começar a treinar já no profissional, porque o clube estava montando a equipe para o Carioca de 83. Aí falaram que tinha um jogo na semana  e era o meu teste. Aí chegamos na cidade, muita festa, foguetório na cidade. No jogo, entrei no segundo tempo como ponta direita, dei dois passes e só sei que ganhamos de 3 a 1. Acabou o jogo, o supervisor me chamou e disse que tinha gostado. Aí continuei no profissional, viajei com eles, mas como o juniores estavam precisando, eu desci para o júnior. Aí fiquei um ano no júnior. Nesse ano, o Flu acabou ganhando tudo. Na época eu estava com 19 anos, no meu último ano de juniores. Aí quando estourei a idade, o Flu não demonstrou interesse, até porque tinha um elenco campeão Carioca, do Brasileiro.

Chegada em Portugal
- Fui para Portugal em 87 fazer teste no Belenense. Cheguei em novembro, fiz um mês de treinamentos. Fiz um coletivo e o treinador era um belga (Henri Depireux), e ele disse que o Isaías era muito lento e não servia para o Belenense e, na época, eles queriam o Tita, que jogou no Fla, no Vasco. Falei "Tudo bem". Disse para o meu empresário "Vou voltar para o Brasil e no outro ano vou voltar aqui e vou mostrar que eu tinha condições de jogar aqui". E falei para o vice-presidente do Belenense " Meu nome tem dois i, dois a e dois s". Depois, voltei e os jogadores do Belenense perguntaram como foi possível o treinador e o presidente não me contratarem.
Entrevista isaias, ídolo do benfica (Foto: Tébaro Schmidt / GloboEsporte.com)
Com chuteiras nos pés e muita simplicidade, Isaías passa carreira a limpo (Fotos: Tébaro Schmidt / GloboEsporte.com)

Benfica maior que Flamengo e Corinthians?
- Sempre tive muito carinho em Portugal. Torcedores do Sporting, do Porto, que me encontravam na rua, vinham falar comigo, que eu era uma grande jogador, um grande profissional. Até diziam que eu não era brasileiro, com a raça que eu tinha dentro de campo, com a disposição, a entrega que eu tinha nos jogos. Então, eles gostavam disso e, até falavam "Pena que você não está no meu clube". Mas o Benfica, não vou dizer que é um Fla e um Corinthians, porque o Benfica tem muito mais sócios do que os dois. O Benfica está no Guinnes não é à toa, porque tem quase 250 mil sócios. Não são só torcedores, são sócios. Lá se a criança nasce, e o pai for benfiquista e o padrinho também for, o primeiro presente do garoto não é a bola, não. É a carteirinha de sócio. O Benfica em Portugal é muito grande, é uma nação. 

Jogo contra o Arsenal pela Copa dos Campeões da temporada 91/92 no Estádio Highburry
- O Arsenal era uma constelação de jogadores. E no primeiro jogo em casa, nós empatamos em 1 a 1. Até eu que fiz o gol. Então, empatamos em casa, o que nós vamos fazer lá em Londres? Nós só vamos cumprir tabela. Assim era a cabeça de alguns diretores. Mas nós, jogadores, acreditávamos que seria possível. Então viajamos para Londres à vontade, no hotel ficamos à vontade. Mas nós, jogadores, estávamos cientes que tínhamos que tentar segurar o resultado o mais longo tempo possível. No primeiro tempo foi um massacre. A bola batia na trave, o nosso goleiro defendia, e eles fizeram 1 a 0. Aí tivemos que ir para cima. Por incrível que pareça, mais da metade do estádio era benfiquista. Empatei o jogo e fomos para a prorrogação. Começamos a jogar mais tranquilos. Aí conseguimos fazer o segundo, e eu fiz o terceiro. Foi muito importante. Então, depois do jogo foi uma felicidade total. No embargue para ir embora, os policiais não queria deixar eu embarcar, não. Disseram "Você eliminou o Arsenal" (Risos). 

Estilo de jogo
- Eu tinha consciência do que eu precisava fazer para melhorar. Tecnicamente eu não era 100%, mas era aí seus 70, 65%. Tinha consciência que com esses 70, 65%, conseguir através do meu preparo físico colocar essa porcentagem a mais, eu ia ficar quase 100%. No primeiro ano de Benfica, eu morava perto do clube, do estádio. Era o primeiro a chegar. Tinha um diretor do clube que chegava cedo e, às vezes, ele me via correndo lá e se assustava. Ele me falava "Tu não é brasileiro, porque brasileiro tem fama de preguiçoso e tu é diferente". As coisas aconteciam porque eu fazia o extra. 

Fúria de Bobby Robson, ex-treinador do Porto no início dos anos 90
- Teve um jogo contra o Porto, que o auxiliar bateu no meu quarto e eu já sabia que eu ia ficar no banco. Aí disse para ele "Eu já sei que vou ficar de fora e vou ter que entrar para resolver. Vou entrar e vou resolver". Dito e feito.E o treinador do Porto era o finado Bobby Robson, que sempre quis me levar para lá. Nesse jogo, o Porto foi e fez um a zero e acabou o primeiro tempo. Um jogador do Porto, o Emerson, me disse que, durante a semana, o Bobby fazia tudo normal, mas quando tocavam no meu nome ele endoidava, chutava tudo o que aparecia na frente. Quando ele recebeu a informação que eu estava no banco, o Emerson disse que o velho quase teve um orgasmo. Aí, quando o treinador me chamou para entrar em campo, o estádio parecia que ia cair. Acabou que entrei e, aos 42 do segundo tempo, empatei o jogo. 

Primeiro brasileiro a atuar na Premier League
- Me ligou uma revista um tempo desses para falar comigo sobre a Premier League. Eles acham que o primeiro jogador a disputar a Premier League foi o Juninho Paulista, mas eles esqueceram de mim. Fui o primeiro a atuar. Não sei se eles não me consideravam por causa do meu passaporte comunitário, né?

Passagem pelo Coventry City e o carrasco escocês
- Apareceu a oportunidade de eu ir para a Inglaterra. Joguei o primeiro ano, foi bom. Porque você sair do Benfica, um clube que joga a Liga dos Campeões, na época a antiga Copa da Uefa, para um clube que joga para não cair de divisão, ainda mais a Liga Inglesa, é muito complicado. O nível do campeonato é completamente diferente. Naquela época era ainda mais diferente. Naquele tempo, haviam restrições de treinadores de outros países europeus, sul-americanos. Então, era bola no lateral, o lateral quebra no centroavante e, no meio campo, você praticamente não via a bola. Então, foi difícil. Aí, no segundo ano, o treinador passou a ser diretor técnico, e um jogador passou a ser auxiliar, que era escocês. E esse cidadão (se referindo a Gordon Strachan, atual treinador da seleção escocesa) não simpatizava muito comigo. Aí chegou no início da temporada, eles me chamaram para rescindir o contrato, mas eu tinha um dinheiro para receber após o final do contrato e eles não queria me pagar. Então resolvi ficar por lá. Fique lá um ano praticamente vegetando.

Melhores parceiros no Benfica
- O João Pinto (ex-jogador do Benfica, Sporting e seleção portuguesa), que eu já tinha jogado junto com ele no Boavista. No ano que ele foi lançado, nós chegamos a atuar alguns jogos, mas aí fui para o Benfica e, no outro ano, ele foi também. Para mim, foi um dos maiores jogadores portugueses que eu tive o prazer de jogar ao lado. Teve também o Rui Costa, que fez uma história espetacular. Posso até esquecer um ou outro, mas esses dois foram os que eu tive o prazer de jogar. No Benfica só tinham jogadores de nível de seleção, então, não tinha um que não fosse bom.

Vislumbre?
- Às vezes, você sempre tem aquele minuto de relaxe, que você tem que ver o que é bom, o que não é bom. Não digo nem o Caniggia, jogar ao lado de zagueiros da seleção brasileira, com o Ricardo Gomes, com o Mozer. Eles falavam "Zazá, resolve lá na frente e deixa aqui atrás com a gente". Eu falava "Os caras estão me colocando lá em cima, estão acreditando que eu tenho potencial para resolver". Isso sim, me perguntava "Opa, será que é verdade?". 

Abraço de Guardiola (jogo entre Benfica e Barcelona na temporada 1991/1992, pela fase de Grupo da antiga Copa dos Campeões)
- Uma vez que nós caímos em uma chave com o Dínamo de Kiev, Barcelona e Sparta Praga, o Guardiola, que na época jogava no Barcelona, quando ele entrou em campo, ele veio e me abraçou "Isaías, Isaías, grande jogador, me dá um abraço?". Um cara que era um grande jogador e hoje está sendo um grande treinador. Essas coisas você diz "Caramba". Valeu a pena ter feito aquele sacrifício? Valeu. Tanto é que, hoje, se fala do Valdo, se fala do Ricardo, se fala do Mozer, mas se fala muito mais do Isaías a nível de Portugal, a nível de Benfica. Porque as histórias estão lá escritas. Vira e mexe os jornalistas estão me ligando para fazer alguma entrevista, para comentar de algum jogo entre Benfica x Porto, Porto x Benfica. Sempre para me dar alguma opinião. Porque nesses jogos eu sempre conseguia fazer jogos bons, fazer gols e dar passes.

Gols na neve
- Teve um jogo em Moscou também, fiz dois gols na neve. Chegamos lá era gelo para tudo o que é lado. Tudo esquisito. 15h ainda estava esquisito. Aí tivemos que jogar, a bola estava cheia de gelo. Empatamos em 2 a 2 e fiz os dois gols (o jogo em questão foi Dínamo de Moscou 2 x 2 Benfica, pela Copa da Uefa de 92/93).

Beach Soccer
- Tinha firmado com o pessoal de Portugal que ia disputar o Mundialito porque era só o Brasil que ganhava, só o Brasil que ganhava, com o Júnior, Claudio Adão, aquela turma.

Benfica
- Tudo o que eu sei, a nível de esporte, o que eu consegui divulgar através do esporte, foi através do Benfica. Eu tive uma passagem boa no Boavista, no Rio Ave, no Campomaiorense, mas o Benfica é o Benfica. Então, você ter feito parte de uma geração, ter conseguido conquistar dois títulos português, uma Taça de Portugal. Um cara que chegou no Benfica sem espaço, teve que buscar o seu espaço, se dedicar 200%. É maravilhoso. Eu falo do Benfica, porque eu tive a oportunidade de viver grandes momentos da minha vida dentro desse clube. Poderia ter sido outro, mas foi o Benfica. Cara, é muito gratificante. 

Sonho 
- A única coisa que eu queria é que um filho meu tivesse a oportunidade de jogar também e eu estar lá em cima vendo ele jogar. Porque quando eu tive no Campomaiorense, nós chegamos a ir a um final da Copa de Portugal. E o treinador foi presenteado com o gol do filho. Caramba, um dia poderia ser comigo. Com meu filho mais velho não. Ele já vai se formar, está com 24 anos. Mas gostaria muito. Vou tentar até a última instância (ver o filho Lucas, de 19 anos, jogar profissionalmente). 

Refúgio na Região dos Lagos
 - Eu poderia ter ido lá para a minha cidade, Linhares, para Vitória (ES). Tenho muitos amigos lá. Mas eu gosto daqui demais, não sei porque razão, mas eu gosto daqui. No Rio, eu gosto muito quando eu vou para o Aeroporto (Risos), quando eu tinha que vir para cá. Não consegui me adaptar ao Rio de Janeiro, porque morei em Lisboa, uma cidade grande, agitada demais, muito trânsito, aí não dá. Então, aqui você tem um pouquinho de paz.

Vida e Futuro
- Nada (o que faz da vida). Absolutamente nada. Mas estou pensando em voltar para Portugal, porque o Benfica já me convidou umas três vezes para eu trabalhar na TV Benfica. Porque, agora, eles tem um programa que interage com os sócios de todo o mundo através da TV. Posso ir para Portugal para fazer palestra. Posso ir para Portugal para fazer jogos. Por exemplo, tem uma cidade que está fazendo aniversário, aí você vai fazer, entendeu? Tem também uma situação do Benfica que o Eusébio era os relações públicas do Benfica e viajava para todo o mundo para visitar as casas do Benfica. Cheguei a visitar também umas duas vezes. Graças a Deus tenho esse carisma nas casas do Benfica.

Apelidos da torcida do Benfica
- Era o Profeta, por causa do nome Isaías. Aí já cheguei barbudo, aí pegou. Mas tinha Profeta, Pé Canhão, Peito de Galo. Era bom, muito bom. Falavam também que eu chutava 10 vezes para fazer um gol. Mas imagina se todas as 10 entrassem?

Pescaria
- Meu hobby é isso aí, pescaria, adoro. Ir lá para ilha e ficar lá dois dias pescando. Gosto muito. Acho que foi isso aí que me encantou por Cabo Frio. Quando eu vinha de férias do Benfica, eu ia embora pescar. Toda semana a gente vai. A gente não tem ido ultimamente por causa do vento. Pescar por hobby. Aquele peixinho na "pelada". Continuo jogando, né. Vou até estrear no campeonato de cinquentão. Vou lá jogar. São as duas coisas que, futebol já vem desde pequeno, e a pescaria surgiu depois. Não tem nada para fazer, vou pescar. Aí você pega o gosto. Mas tem que saber pescar.»


Serás sempre um dos ídolos da Nossa grandiosa história !

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